Proibido proibir


 
 
 

Começo a ter um limiar de tolerância cada vez menor para a estupidez.
Deve ser da idade.
Lá temos de voltar ao mesmo problema. Há quem, neste país, se aproprie do que é dos outros, como se fosse seu e ainda tem o descaramento de impor regras arbitrárias sobre a sua fruição!
Cito um documento que esta gente não deve conhecer, mas que fica bem na cultura geral de cada cidadão: a Constituição Portuguesa. Às páginas tantas diz, acerca do Património Cultural:
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“Artigo 78.º
Fruição e criação cultural
1. Todos têm direito à fruição (…) cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural.
2. Incumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais:
a) Incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos aos meios e instrumentos de acção cultural, bem como corrigir as assimetrias existentes no país em tal domínio; (…)”
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Mas quem é o pároco de São João Batista para espezinhar os meus direitos?!
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Será que ele não entende que está a usar o MEU PATRIMÓNIO, que tem o dever – como eu – de preservar, apenas e só porque há liberdade de culto em Portugal, aliás garantida pela mesma Constituição que me garante a mim que, quando o pároco não estiver a usar o MEU ESPAÇO para o seu culto (que até partilho, porque sou Cristão, praticante), esse espaço deve estar aberto ao acesso e fruição de todos os cidadãos (eu outra vez), nomeadamente, sempre que isso não coloque em causa a integridade do património, para que eu o possa fotografar, filmar e o dar a conhecer por mim mesmo?
Até porque se não o puder fotografar (como não consigo há mais de 20 anos sequer ver, quanto mais registar com a minha máquina sem flash o tríptico que está à guarda da mesma paróquia, que até posso supor já nem existir ou ser fragmento da minha fértil imaginação, já que não há traços visíveis dele há tantos anos!…), repito, se não o puder fotografar, como vou poder aferir se está a ser bem cuidado, se não foi roubado, se o tesouro que é de todos nós está, numa palavra, intacto? A inspecção popular faz falta. Demasiadas peças de arte sacra vão “para limpar” neste país e nunca mais regressam. Poder ter acesso e registar para uso privado é até uma protecção para os próprio párocos que, de outro modo, serão sempre os suspeitos de fazer desaparecer algumas das peças que têm expostas a troco de uns euros. Os casos estão aí. Não sou “mata frades”, pelo contrário. Mas é necessário que o património esteja aberto ao escrutínio dos seus donos (nós). Para que contrastemos registos, fotos, filmes. Para que possamos denunciar abusos. Não seria a primeira vez que, mesmo em Tomar, as paredes de pedra centenária de templos são agredidas com cravos e pregos por gente sem parafusos na época de pendurar decorações que nem sequer são litúrgicas. Liberdade de culto, sim, estamos todos de acordo. Mas com tento na cabecinha, que o património é de todos.
É pena que nisto, um país sem a nossa história como os Estados Unidos, nos dê uma valente lição. Ainda não publiquei aqui, mas lá iremos, as fotos das Catedrais de Washington e de São Mateus na mesma cidade, bem como da impressionante Basílica da Imaculada Conceição (também em Washington), esta última tão católica como São João Batista em Tomar. Pude fotografar, filmar, emocionar-me nas criptas, olhar de perto os frescos e as peças de arte, registá-las em filme e fotografia… Sem medos. Sem paranóias. Sem avisos estúpidos e obscurantistas. Acho que o melhor é começar a campanha: enviem São João Batista e Santa Maria do Olival para os Estados Unidos. Assim serão preservados, amados, abertos ao culto e ao público.
Tenho para mim que esta proibição inconstitucional e a tresandar a medievalista/inquisitorial no caso de alguma foto se bater, se destina precisamente a não permitir que os responsáveis possam ser chamados à atenção. Não há fotos, logo não há provas. Perdoa-lhes Senhor, que eles lá sabem o que fazem com o que é nosso.
Uma última nota: párocos destes, para quem o turista é um empecilho e o património que têm a seu cargo tem o mesmo valor espiritual de um abre-latas, são uma vergonha para a Igreja, que se quer Santa, que se quer Apostólica e próxima dos crentes. Cada vez creio mais em Deus e menos nestes impostores funcionários sacros de coração de pedra, que são a contradição em actos daquilo que o Evangelho é em palavras. Mal vai a Alma Lusitana quando permite anos a fio que a liberdade de culto seja confundida por energúmenos em batina com a Liberdade de ser Inculto.
Reservo-me o direito de me indignar. Ou agora esse também é proibido?…




VL